quinta-feira, junho 26, 2008

Pontos Cardeais

I

Acordado às 3 da madrugada. Brotoeja parindo musgos escondidos entre-dedos sem unha e livros amarelados. Uma voz petulante ronrona pesadelos, traços, lampejos de um dia produtivamente insosso.

II

Um sapo-boi coaxa no sertão em cima de um cacto roxo.

III

Por sob pés, o som de folhas secas se desfazendo alisa almas vazias. Arando um deserto de areia e cal que frutifica solidão. Uma boca faminta lacrimeja sono por entre pupilas, enquanto guimbas repousam sobre roseiras ofegantes.

IV

Vacas adormecem nos pastos. Um cão sarnento se coça em frente a uma capela descampada. Dois gravetos santificam o que não há. Do céu fumaça cai sopa de letras.

V

Papéis de parede refletem prédios, casas e estradas. Bocas purulentas vomitam neon vermelho e pintam cidades, frutificam verbos... Pisoteiam arco-íris como se fossem bosta de gado.

VI

Mas baixo colidem trejeitos. Orgulho mata moinhos de vento. Em um quarto escuro gritos e absurdos paridos de ouvidos-parede. Dedos tilintam substantivos e magoam adjetivos. Inerte no canto, um floco de poeira que queria ser tijolo.

VII

Uma gargalhada ecoa e um coração destoa. Cacos e assombros de ontem. Hoje tão cinza. Uma suave brisa vagueia cabisbaixa, por entre rostos hipotérmicos. Um canto mudo nina uma criança que não dorme. Olhos apavorados.

VIII

Alguém adormece tranquilo, outrem adormece sedado por causa de uma cárie que incomodava a voz de um louva-deus. Amor e ódio cruzam dedos e se esfaqueiam. Uma bomba explode cabeças do lado de lá. Um coração cansado adormece do lado de cá.

IX

Pare, olhe, atenção. Olha de um lado, olha de outro. Chegamos a metrópole desenfreada. Que cresce por sobre lápides e ninam crianças com epitáfios. Qualquer hora, qualquer dia. Time is money! Fica mais um pouco. Não dá. Até logo. Até breve. Até nunca mais. Te prometo cada dia um conto. Uma história, um desmanzelo, um copo com água, um sorriso. Não dá. Até logo. Até breve. Até nunca mais. Parirei uma árvore com o seu nome, um livro póstumo dedicado, uma folha verde, um céu azul, uma trejeito de mim, um agora amanhã, uma falha para momentos, uma idéia por contento e um sonho por seus pensamentos. Não dá. Até logo. Até breve. Até nunca mais. Te faço aqui, ali e acolá, te dou música, letras e um oboé, te faço harpa, dedos e hortelã, te broto filho, te caso comigo, te gosto desde agora, hidrato sua pele com barro, te volto as origens, te grito um suspiro e te incomodo dia nenhum. Não dá. Até logo. Até breve. Até nunca mais. Tudo. Não quero nada.

X

Qual a cor da sua gargalhada? Mal acostumada com uma poética desgraçada e um dormitar de dentes e calos e fibras de vidro. Corta madeira, me passa os pregos, cola quente colando corpos. Acrílico. Um avião cai no milharal porque o passageiro não sabia voar em um avião sem brevê. Um gato se limpa sobre a cama. Um dente embaixo do travesseiro se vira e transforma-se em cal.

XI

Qual é o seu sonho? Quantos anos você tem? Qual a idade da sua casa? Há quantas quadras você vem? Uma hipótese! Um ímã de geladeira segura caos. Um dança, um aconchego, um beijo e estrelas no céu da boca. Um carro distancia devaneios. A pressa!

XII

Um abrigo de sonhos. Pálpebras assustadas. Um assopro, um respiro. Descanse em paz.