quinta-feira, novembro 30, 2006

Republicando um textinho escrito em setembro de 2004, naquela época em que eu ainda gostava das coisas que eu escrevia...

||| O Grito

Não que todo mundo vá entender. Não que alguém vá entender (talvez uma pessoa entenda, e eu espero mesmo que sim). Não que tenha algo para ser entendido. Mas tenho que gritar pro mundo alguma coisa que não sei o que é, e as pessoas aqui da empresa usam gravatas; e a formalidade me constrange um pouco. Me deu vontade de gritar de felicidade. Por nada. Ou por tudo.

Os comentários que foram vinculados neste post:

Olha só... Uma moça falando de crenças. Eu creio, ele crê, nós cremos, vós crês, eles crucificam... Quer saber. Não me importa no que as pessoas crêem, o que me importa é: no que EU, Sr. R. creio. O resto que se foda pra lá. E as pessoas só desistem de ouvir, quando pessoas como você, desistem de gritar. Nada como sons passando desmilingüídos pelas cordas vocais, rasgando o esôfago e chegando estridentemente nos ouvidos alheios. ;o)

R. | 03-09-2004 20:07:30

Pra que grita se as pessoas não querem ouvir... ?! O mundo n cre em nd ...

Marysss | 03-09-2004 18:51:17
Virou notícia...

Zinhazinha era um pequeno polegar que dormia em pé em cima dos radapés, pois tinha medo de ser esmagada por pés desavisados enquanto dormia de bruços nas frestas entreabertas de chãos ainda não rejuntados.

Zinhazinha tinha um lagartixa de estimação, com a qual saia para passear todos os dias, vez ou outra saia por aí voando nas costas de baratas aladas que comiam carne crua de peixes palhaços com dentes em forma de ostra.

Pequenina, Zinhazinha tinha o hábito noturno, não gostava de caminhar por residências durante o dia, a chance de ser notada era muito maior e a idéia não a agradava por completo. Olha mãe, uma formiga gigante... Mata... Mata... (Era bem maior que uma formiga, mas era muito menor que um passarinho, portanto, a chance de ser confundida com algum inseto invertebrado era bem maior).

Tinha medo de sair na rua nos dias de chuva, as piscinas d'água que se formavam nas calçadas eram assustadoras, e nas ruas os carros esmagavam água com aqueles assustadores e negros pneus de borracha, saiam por aí fazendo chuva de verão, daquelas que vem e passa, cai e seca, chove e molha, seca, molha, seca... sol... Carros filhos da puta, pareciam ter vontade própria.

Não gostava de seu nome, foi batizada por um duende que estava escorregando pelo arco-íris que passa bem detrás da retina de recém nascidos, sim, aqueles que há pouco haviam chegado no gigantesco mundo das pessoas gigantes.
Chorou bastante no dia de seu batismo, não sabe-se se sentiu alguma dor naquele dia, mas concordo que deve ter doído um pouco. Com o tempo acabou se acostumando, chamavam-na por vários nomes, menos pelo de batismo que remetia a coisas extremamente pequenas.

Não vou entrar em grandes detalhes da vida de Zinhazinha, mas adianto que sofreu bastante neste mundo cão de insetos e parasitas que não costumavam pensar muito, na semana passada foi estuprada por um pernilongo sedento, quase morreu, a quantidade de sangue no corpo daquele pequeno polegar feminino... Chegou sorrateiramente numa tarde que quase desmaiava-anoitecendo, enfiou-lhe aquela língua esquisita, alongada por um pedaço ainda mais esquisito de beiço enrijecido, o inseto beijou-a por dentro, chegou a tocar seu coração, depois de algum tempo, sentiu-se saciado (ou assustado pelos gemidos-dolorosos-estridente-inaudíveis), e foi-se, deixando para trás uma pequenina Zinhazinha dolorido-ensopada.

Tentou encontrar novamente o pernilongo, mas nunca mais o achou, queria apresentá-lo para sua lagartixa de estimação, mas nunca mais o viu. Sorte a dele. Ou a dela, não sei bem ao certo quem teve mais sorte nesta história toda.

Atualmente mora na narina esquerda do antigo gato de botas, atualmente ele mora na praia e só usa chinelos de borracha. Todos a confundem com um cotoco de meleca, mas ela não se importa, já está fazendo amigos sinceros, como o caranguejo clá clá e a ondinha shuá, já foi flertada pelo mosquito zezé, mas sua lagartixa comeu o bichinho logo no primeiro encontro, não ficou triste, depois do pernilongo ficou com o pé atrás com esses tais insetos voadores.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Noite de natal

- Olá, será que você poderia me passar o purê de batatas?
- Purê? Onde você está vendo purê de batatas em cima da mesa?
- Logo ali, perto do tutu de feijão.
- Tutu? Poxa vida, parece que a sua ceia vai ser melhor do que a minha, porque eu não estou enxergando nem tutu e muito menos purê em cima da mesa!
- Está logo ali, dentro daquelas tigelas redondas.
- Aquelas? Com quatro pontas cada?
- Não As de quatro pontas são quadradas ou então retangulares.
- E o que são tigelas redondas?
- Você já abriu maionese, refrigerante?
- Não! Eu tenho problemas de anemia, veja o meu físico, eu não consigo fazer muito esforço, eu não consegui abrir nenhum tipo de condimento.
- Chama este cara aí do seu lado por favor.
Um terceiro entra na conversa:
- Ei, aquele cara ali tá te chamando (disse isso apontando o dedo indica-acusador para o moço que queria purê e tutu).
- Sim!
- Amigo, será que você poderia me passar o purê?
- Claro!
Pegou uma vasilha com molho de pimenta e passou para o rapaz.
- Amigo, isso não é purê...
- É sim... isso daí é dendê, pode provar, tá arretado.
- Porra, isso era para ser uma ceia de natal, quem é que coloca dendê na mesa? Eu não quero dendê eu quero é purê, aquela coisa feita com batatas que é batida junto com leite ou água.
Cansado de tentar se fazer entender por um burro e outro surdo, levantou-se da cabeceira da mesa e foi até as tigelas redondas, trouxe uma em cada braço.
O burro:
- Ahhh isso é que são tigelas redondas? Ahhh, porque você não disse que era a tigela que era parecida com uma roda? Eu te passaria, qual das duas tigelas tem purê?
- Essa daqui ohhh, a que é mais clarinha... A mais escura é tutu de feijão.
- Ahhh, bacana, aprendi isso hoje... E isso daí é bom?
- É sim, você nunca comeu isso não?
- Não...
- Pega aí, põe no prato, experimenta...
- Quero não moço, tô aqui só pra comer a galinha...
- Galinha, que galinha?
- Poxa, moço, aquela que tá ali em cima da mesa...
- Aquilo não é galinha, é Chester...
- Poxa, mas tu é burro hein moço, sabe nem o que é galinha... Aquela ali foi minha mulher mesmo quem preparou, peguei a galinha num despacho que tava na esquila lá de casa, e como eu não sou supersticioso, pedi minha patroa pra preparar o troço pra nóis, e sabe como é, natal, nascimento de Cristo, acho que nada de mal pode acontecer a ninguém hoje.
- Eu não sou burro amigo, burro é você que não sabe o que é purê e tutu, e muito menos sabe o que é redondo ou quadrado. E eu não como esta galinha nem por decreto. Minha mulher preparou um Chester, e é ele que eu vou comer...
- O que é decre... decre... decre o que mesmo?
- Decreto.
- É isso mesmo, o que é isso aí que você disse?
- Eu não tô afim de ficar explicando as coisas para uma pessoa que acabou de dizer que eu sou burro.
Colocou o purê e o tutu no prato. O Silêncio durou algum tempo.
- Moço?
- O que é?
- Aquele troço que tu falou... Jester... É bom?
- É sim, o gosto é igual ao do frango.
- Ahhhh... E por que se chama assim? Jester?
- É Chester... Não sei, porque alguém quis chamá-lo assim...
- E esse Jester voa moço? Porque eu sei que galinha não voa.
- Eu não sei, eu nunca vi um Chester, mas acredito que não, ele é bem parecido com um frango.
- Se o senhor nunca viu um Jester como é que você sabe que ele existe? Como é que o senhor sabe que não é uma galinha que o pessoal pegou no despacho, empacotou e escreveu o nome Jester só pro pessoal achar que era Jester?
- Eu não sei te responder isso.
Neste momento entra uma senhora gorda perguntando onde estava o mexido de miúdos batidos e o guisado de mandioca sêmem de boi.
- Ohhh benzinho, acho que esse moço aqui já colocou tudo no prato dele... Ele disse que isso se chama purê e tutu... Parece que ele gosta muito disso.
Ânsia... Ânsia... Ânsia... ÂNSIA...
VÔOOOOOOOMIIIIIITTTTOOOOO.
- Aposto que tu vomitou tudo só pra sobrar mais espaço pro Jester, o senhor é esperto...
- Tá vendo aquela moça ali?
- Tô sim, aquela senhora bonita e gostosa de olhos claros? Vou te contar uma coisa, mas não espalha pra ninguém não, eu trepei com ela ainda hoje no banheiro da empregada.
- Caralho, aquela é a minha mulher...
- É... Eu não sabia, mas a sua mulher é boa hein rapaz... Você quer mesmo que eu chame ela?
- Não, deixa pra lá...
Pegou o Chester e jogou bem no meio da testa de sua futura ex-mulher...
- Cara, que máximo... Jester voa...

quinta-feira, novembro 16, 2006

A volta do desconexo

Caminhos que se bifurcam
Diante de canetas esferográficas estouradas e de mensagens metafórico-suicidas

Tênis caramelos que não se deve lamber
Caminham por entre gramíneas lodo-escorrega-(va)dias...

Caixas de som zumbindo a sobremesa da ceia natalina
Cantando a Ave-Maria cheia de graça do vosso ventre sem útero...

Tetraplégicos dançando velozmente sem movimento por entre espaços milimetricamente reduzidos.
Gozando a inércia da vida azul brilhante.

Pouca coisa para se contar,
Em muito tempo de dormência.

Tanta coisa pra contar
Em tanto tempo de dormência

Dormência difícil de esquecer
Em tanta caibrã de inocência.

quarta-feira, novembro 08, 2006


Diálogo desesperado de um ninguém sem coração

- Ei... Acorda. Você já está dormindo há algum tempo... Vamos levanta logo daí, faz a barba e vai lá pra fora tomar um pouco de sol, sua aparência está péssima, seus músculos parecem que estão se atrofiando. Será que você não vai mais acordar para o mundo?
- Argghghghghghgjhghjg (um grunhido de alguém sonolento-moribundo-dorminhoco).
- Você não está lendo mais, o que aconteceu com você cara? Nem sexo você pratica ultimamente. Você é um cara bacana, sai daí porra. Essa semana trombei com a Lailinha na rua, ela me perguntou sobre você, disse que esta com saudade.
- LailiArgghghghghghgjhghjg?
- É cara... A Lailinha, aquela morena gostosa e burra, que você tinha como musa inspiradora para as punhetas matinais.
- ArgghghghghghgjhghjgEu nãoArgghghghghghgjhghjg conheçArgghghghghghgjhghjg LaiArgghghghghghgjhghjg porArgghghghghghgjhghjg neArgghghghghghgjhghjgnhuma!!!!
- Tem um cara também que conheci há pouco tempo, ele dava valium para os peixes, ele é um cara bacana, porém sofre de sérios problemas depressivos, ele fixa cartazes oferecendo serviços de auto-ajuda para as pessoas emocionalmente desesperadas. Porém acho que o maior desesperado emocional é ele.
- Eaaarghu nauArgghghghghghgjhghjgm queArgghghghghghgjhghjgru sabver ds suaArgghghghghghgjhghjgs preferArgghghghghghgjhghjgênciaArgghghghghghgjhghjgs sexArgghghghghghgjhghjguais... Argghghghghghgjhghjg
- Que isso cara, estou só fazendo um comentário com você, não estou dizendo que trepei com alguém, deixa de ser excroto porra!!!
O primeiro porra foi dito com o tom de voz raivoso, levantou, foi até a cozinha, pegou uma caneca, abriu a geladeira, encheu-a com água gelada, voltou tranquilamente até o quarto, e despejou aquela água tranquila e lentamente em cima daquele que há muito repousava.
- Filha da puta... Como é que tu me faz uma putaria dessas? Estou aqui tranquilamente dormindo, tu invade a minha casa e me acorda com essa porra de água gelada. Seu corno sem coração, pensei que tu era meu camarada.
- Eu não sou russo e portanto me desconheço como camarada, sou teu amigo, e nada disso teria acontecido se você não tivesse feito piadinhas infâmes com relação a minha sexualidade?
- Como assim? Piadinhas com relação a sua sexualidade?
- É, você acabou de dizer que não queria saber das minhas preferências sexuais...
- Caralho, eu estava dormindo, não me lembro do que falei com você... Mas já que eu disse... Eu realmente não quero saber das suas preferências sexuais.
- Eu estava lhe contando a respeito de um cara que conheci e você já foi logo me taxando de viado e dizendo isso... assim, de uma forma tão... tão...
- Tão o que?
- Sonolenta e desatenciosa!
- Porra... Mas você é viado...
- Sim, mas foi a forma como você disse!
- Depois deste copo d'água que você me 'ofereceu' eu acho que você é a bicha mais sem coração que eu conheço.
E já com a voz embargada-chorosa, continua-se o diálogo.
- É mas você não precisava ter dito as coisas dessa maneira?
- Caralho eu estava dormindo, e pára de chorar... eu não suporto ver homens chorando. Mulher ainda vai, mulher é tudo fresca e sensível, mas homem não...
- Mas eu sou sensível cara... E você ainda diz que eu não tenho coração. Todo homem como eu tem coração... Muito mais do que qualquer outra pessoa... (já com lágrimas rolando pela face magra).
- Caralho... Vem cá, me dá um abraço. Pára de chorar... (Jamais pensei que eu fosse acalentar o choro de um amigo pederasta. Aposto que minha mãe ficaria decepcionada se visse um troço desses).
- É que você é o melhor amigo que eu tenho, sabia? Você está dormindo há tanto tempo que resolvi vir até aqui dar um jeito nisso.
- Cara, engole o choro e cala a boca antes que eu te dê um chute no cu para você sair correndo.

E no final do dia 'tatuaram' na parede azulejada de branco do banheiro.

'Quanto mais se dorme, mais sono se tem. Você jamais precisará de despertador se tiver amigos gays'.

Duas semanas depois um deles apareceu no noticiário matinal, um corpo encontrado no córrego da cidade, sem camisa, só com uma calça jeans desbotada e dois buracos em cada costela, não era tiro... A polícia não soube dizer qual foi o motivo do crime.

A verdade é que ninguém nunca soube o que aconteceu com o coração do jovem, engolido pela dor que o destroçou lentamente... Ao lado do corpo um bilhete que seria enviado para o filho que ainda não nasceu. Apesar da estranheza, ninguém sabia no que este alguém acreditava... A verdade é que para todos, ele nunca existiu.