terça-feira, junho 17, 2008

Paradeiros e destinos

Eliomar acabara de fazer seus vinte e poucos anos, e queria sair por aí, não tinha um rumo certo, queria conhecer lugares esquisitos, outros nem tanto, alguns até belos devido a disposição e a organização de uma sociedade sempre em mutação, enfim, queria conhecer o mundo da forma como ele era proposto.

Na mochila, um punhado de maldizeres da mãe, uns trocados do pai, um mp3 player com as músicas da irmã, e duas peças de roupa que ganhara no último dia dos namorados. Nos pés um par de sapatos que ganhara da avó.

1ª Parada: "Misantrópolis". Não viu pessoas, mas as contruções eram simples e belas. As casas não eram rodeadas por muros, uma simples cerquinha branca rodeava os casebres. O cheiro da solidão entrava corriqueira e tranquilamente em suas narinas e repousava pesadamente em seus pulmões. De dentro de uma das casas alguém gritou: "O que fazes aqui? Você tem passaporte? Como chegou até aqui? Quem te deixou passar na fronteira?" - Silêncio.

Não houveram novas perguntas, e, caso houvesse, não haveriam respostas... Então o silêncio convenceu a voz, que passara a achar que deveria se tratar-se de algum antigo morador que resolvera voltar as origens.

Não haviam mercados, postos de combustível, carros nas ruas. Nas casas via-se hortas, poços de água e platações de caqui. Qual é o sabor da indiferença? Com a língua pra fora, tentou sentir sabores... Gosto de saliva.

Mais alguns passos vislumbrou o primeiro habitante, um cão despenteado que lambia suas bolas em frente a igrejinha. Eliomar resolveu estabelecer contato com o cão. Assobiou, bateu com a palma das mãos nas coxas. O cão até olhou, mas achou mais interessante continuar lambendo suas bolas. Em um ato de auto-crítica, Eliomar resolveu mudar a forma de comunicação. Tentou lamber suas bolas em vão. E num ato desesperado, acabou lambendo o chão sabor barro. Ao levantar os olhos, deparou-se com o cão, de joelhos dentro da igreja, pedindo pela alma daquele pobre rapaz que caçava minhocas com os dentes.

Levantou-se. Mais alguns passos, uma linha imaginária levava-o para um cidade vizinha.

2ª parada: "Esputartópolis". Do lado de cá da linha as casas ainda eram casebres, porém, já avistava-se alguns muros altos mais ao longe. Conseguia avistar sacadas... E pessoas sentadas em banquetas de tijolos. A rua era coberta por um líquido branco com pequenas bolhas de vento saindo de suas entranhas. Resolveu se aventurar e caminhar no meio do líquido meio escorregadio enquanto aspirava. Deste lado de cá o cheiro que caminhava tranquilamente por entre os dentes, era de ferrugem. Não se importou muito.

Chegando próximo das pessoas, viu que, de suas bocas saia saliva, babavam muito, formavam-se rios de baba sob pés que firmavam o corpo daqueles que estavam sentados nas banquetas, o líquido escorria e ia parar direto na rua. Foi aí que percebeu que era cuspe que cubria a rua.

Resolveu cumprimentar uma senhora que achou que seria interessante cuspir em sua cara. Assustado com aquele monte de saliva em sua testa, já escorrendo pelos olhos e nariz, quase chegando na boca, afastou-se dando passos para trás. Porém, os passos apressados fizeram com que ele escorregasse e caísse deitado no chão. Caiu em cima de uma linha dura que lhe machucou os ombros. Levantou-se e com os pés, já encharcados de baba, afastou aquele "mundareu" de cuspe notando que ali tinha uma estrada de ferro, de onde, de fato procriava o cheiro da ferrugem. Saiu correndo para a próxima linha imaginária, não sem antes cair, quase se afogar em baba e vomitar resíduos de ontem no seu hoje borbulhante.

3ª parada: "Baquistatópolis". Cruzando a linha... Uma senhora nua e agachada na calçada recebia um senhor também nu pelas costas, esfregava o saco dele com a mão esqueda, enquanto a direita se apoiava no chão para manter o equilíbrio. Em degraus, uma senhora chupava o pau de um garotinho com olhar estático-perturbado-delirante e punhetava um senhor de meia idade pela lateral. O rosto corado deixava claro q ela estava adorando o que estava fazendo.

Eliomar não enxergava casas... Só um mundareu de gente nua ou com as calças no meio das pernas...

Um, dois, três passos... Senhores bêbados chupando bocetas e limpando dentes com pentelhos... Quatro, cinco, dez passos... Uma mulher nua em pêlo pergunta a Eliomar porque ele demorara tanto pra chegar, eles estavam esperando-o a semanas. E foi abaixando as calças do rapaz.

- Porque vocês fazem isto no meio da rua? Não seria melhor entrar dentro de casa?
- Mas em casa não tem essa variedade de paus e bocetas, na rua é melhor, pode-se escolher alguém diante de uma infinidade de opções.
- Mas ninguém é casado aqui não?
- Sim, todos somos, meu marido está ali, enrabando aquele policial, está vendo?

Eliomar não tinha falas, e no silêncio a senhorita lhe serviu uma bebida. Era um líquido escuro e grosso, não sabia dizer o que era, mas tinha gosto de álcool. Tomou de um só gole.

A esta altura, a moça já se enfiara no meio das pernas de Eliomar. Misturando cabelos e dentes com um pedaço de carne rijo e pulsante... Atrás dele surgiu um senhor que começou a forçar a entrada do seu cu. Não ouve resistência. Eliomar seguiu sem pregas para o próximo destino.

4ª parada: "Egotópolis". Já recomposto e com a roupa no corpo, pessoas caminhavam olhando para o umbigo. o céu resolveu nascer no chão para que eles pudessem vislumbrar o raiar do dia. Eram cegos... Pois o sol queimava retinas. Pessoas plantavam brotos de si mesmo tocando o chão que ficava sob suas cabeças.

Com o indicador enfiado na terra... Nascia um novo ser quase animado sem a parte que fora utilizada para lhe brotar. Alguns caminhavam sem cabeça por ali, outros sem língua, cotovelos, joelhos, coração.

Não conversavam entre si, tinham todos espelhos grudados nas costas com cola quente, para que outrem pudesse ver diante de si, sua própria imagem refletida. Alguns tragavam cigarros e queimavam o peito com brasas.

Assustado consigo e com os outros. Eliomar não andou... Correu.

5ª parada: "Pasárgada. Enfim Eliomar conheceu alguém, um jovem Manuel... Caminhando alegremente por campos tranquilos, escorregando em paus-de-sebo, amando mulheres, encantando donzelas, desvirginando campinas, tomando banhos de rio.

No fim da tarde, um velho Manuel raquítico e franzino vinha buscá-lo. De mãos dadas pastoreavam por entre cabras. Um arco-íris iluminava caminhos por entre olhares. Permutavam confidências. Por azar... Manuel não gostou de Eliomar. Como era amigo do rei, mandou que extraditassem-no na manhã seguinte. Acusação: Entrar na cidade sem passaporte... E sem pregas.

Foi mandado de volta para a casa de sua mãe, aos 42 anos de idade...