sábado, julho 26, 2008

Qualquer coisa

Uma mulher de quadril largo ajeita a calcinha "faz-estalos" enquanto aguarda um ônibus lotado para ir ou voltar de algum lugar. Se ela está indo não se sabe pra onde, mas se ela está vindo, percebe-se que o dia foi cansativo, a cara a condenava, o olhar cansado, os ombros pesados, mas a calça justa estava ali, fazendo justiça aquele quadril enorme.

Do outro lado da rua, um fã do Heavy Metal, a camisa preta, o coturno, objetos metálicos pontiagudos saindo dos punhos e de um cinto que lhe segurava a cintura. Nos ouvidos, fones, o punho direito erguido para o alto, os dedos indicador e mínimo para o alto formavam chifres, e a cabeça pendia pra frente e pra trás freneticamente, um tributo aos deuses do metal, se é que eles existem.

Na esquina acima, um camelô vendia dvds piratas e conversava com uma transeunte sobre uma novela, sobre uma tal de Donatela, que estava sendo perseguida por todos e que agora estava provando do seu próprio veneno. Imaginei que Donatela devia ser irmã de Rafael, Michelangelo e Leonardo, talvez um novo filme ou episódio das tartarugas mutantes ninjas. Vai ver Donatela era a filha do Mestre Splinter. Enfim, enquanto conversava animadamente, os dvds saiam da sua banca e iam parar misteriosamente na sacola da compradora gentil e conversada.

Na esquina de baixo um outro vendedor, este vendia paçocas e amendoins torrados. Enquanto oferecia e agradecia aos compradores com um muito obrigado, um maltrapilho lhe pedia uma paçoca, porque estava com fome. O vendedor recusou. E com um tapa, a bandeja de paçocas e amendoins foi parar no chão. Antes o vendedor tivesse dado a paçoca para o rapaz maltrapilho, que agora era perseguido pelo vendedor. Dois policiais que viram toda a cena, nada fizeram. O vendedor voltou, e era visível em sua cara desconcertada que não tinha conseguido pegar o outro rapaz. Conversou com os policiais, na tentativa de que estes fossem atrás dele. Estes, por sua vez, só disseram que não podiam sair dali, pois a rota deles era só até aquela esquina. Se eu fosse o vendedor eu tinha dado um tapa na cara de um deles e queria ver se eles o perseguiriam só até aquela esquina.

Nos ônibus, bocas beijavam vidros, e olhares assustados suplicavam para que os motoristas não abrissem as portas de forma alguma. Mas sabe como é, todo motorista é do contra. E um fato. Não sabem ler olhares através do retrovisor.

No cantinho de uma loja, já fechada, uma ceia. Dois mendigos dividiam um pedaço de pão dormido.

Meu ônibus estava chegando, e me fui... Deixando pra trás... Um amontoado de olhares incompletos e várias observações por fazer...

segunda-feira, julho 14, 2008

O que você faz quando está dormindo?

Um beijo, um sono, um sorriso...
...Um sussurrar de olhos...
...Um grande sorriso saindo da sua boca grande...
...Uma hipótese, duas hipóteses... Um Silêncio...
...Um bocejo... Dois bocejos... Uma soneca...

Qualquer coisa...
...Dois braços pequenos carregam coisas demais...
...E se cansam... Depressa demais...
...Ganhando trocados em um cofrinho sujismundo...
...Para comprar coisas... Sensações... Prazeres... Proliferações...

Algo...
...Mãos geladas tirando o sossego daquela soneca...
...Olhos cerrados e um ronco embalando amanhã...
...Uma poesia grudada na porta de lugar algum... Acordando dias...
...Um desassossego...
...Mexe daqui, vira pro lado de lá... Pro lado de cá...
...Um suspiro fundo... Outro ronco...

Sinceramente...
...Um amor esquizofrênico e semi-incondicional...
...Um coração partido e um bastão de super-bonder...
...Duas mãos que o embrulham em um pedaço de papel celofane...
...Entregando este mesmo coração para um outro comprador apressado...
...Pra quem entregá-lo? Por que entregá-lo a alguém? ...

Onde...
...Um lugar onde os arco-íris são feitos de algodão doce...
...A chuva tem cheiro e sabor de suco de tangerina...
...Paralelepípedos são balas de goma...
...As construções são feitas de barras de chocolate...
...E todos os sonhos tem um gosto bom sabor agora...

Quando...
...Pôr-do-sol...
...Braços fortes dobrarem linhas retas formando esquinas...
...Paisagens se transformarem em um momento guardado em mim...
...Pasta de dentes limparem ontem...
...Fumaça se desfazer neste momento e embalar...
...Seu sorriso...

- Ei, ei, (uma sacudida) acorda, você está atrasado para hoje... Você não vai trabalhar?
- Bom dia margarida... Sim... Me vou... Mas antes de tudo... Gostaria de poder regar o seu jardim...

segunda-feira, julho 07, 2008

Forma que deforma

Acordei às 15h da tarde com minha namorada em cima de mim com uma tesoura nas mãos. O objeto não era bem uma tesoura, era um podão, aquela tesoura grande de jardinagem... Segurava o objeto friamente com lágrimas nos olhos. Não entendi o motivo, mas assustado com a cena resolvi fazer aquele efeito pinote com o meu ventre, o que fez com que Josi (esse é o nome da minha princesa) fosse parar no chão. Sem pestanejar muito, me levantei rapidamente para não dar chance de uma nova investida da senhorita, agora já não tão minha namorada assim.

- Caralho mulher, que porra é essa? O que é que tu tá fazendo com esse tesourão aí na mão?
- Eu ia cortar o seu pinto fora seu viado, pra você aprender a tratar uma mulher como se deve.
- Como assim? Tá usando psicotrópico nega? Que merda é essa de cortar meu pau fora? Tá querendo arrumar confusão?
E com a voz embargada ela prosseguiu:
- Você já há algum tempo não me olha daquela maneira apaixonada. Você repara mais nas minhas amigas do que em mim. Você não fala mais do meu cabelo, não elogia o meu corpo, você não liga mais pra mim. Você tá me traindo!

Voltemos um pouquinho para que possamos entender o que se passou. Josi é uma estudante do sexto período de educação física. É uma menina viciada em academia e cultua bastante sua forma física. Nada exagerado demais, digamos que ela não come, não bebe e dorme pouco, o restante do tempo ela passa na academia, isto quando não está na faculdade, obviamente. Na verdade Josi dá mais importância para a sua esteira eletrônica do que para as pessoas. Tem um corpo lindo e um rostinho angelical. Quando conheci Josi meu sonho sempre foi colocar as mãos em seu rabo volumoso e rijo (alguém aí deve estar pensando que eu sou um tosco, pois falei 'rabo' e deixei de lado os sinônimos belos, mas enfim, não sou escritor, sou um fodedor, então, que se fodam as nádegas e que fodamos o rabo).

Ao contrário de Josi não tenho pretensões à esportista, tenho um papo razoável, nada que seja estupidamente ignorado por qualquer pessoa, mas a Josi é uma pessoa que cultua somente o corpo, portanto, sua massa encefálica não é tão desenvolvida quanto o seu rabo e suas coxas. Estou começando a ficar com uma barriguinha de 'chopp' invejável, estou quase conseguindo posicionar um copo lagoinha em um ângulo reto. Ângulo este que pode ser calculado em posição quase horizontal entre minha pança e o céu.

Nos conhecemos em uma roda de samba, eu estava sentado, bebendo e a Josi lá, dançando. Não sou um pé de valsa, na verdade eu bebo muito, e como eu não consigo ficar sem cambalear para os lados durante grande parte da noite, não tenho o hábito de dançar. Motivo pelo qual ela detesta sair comigo.

- Que isso?! Como você foi pensar uma coisa dessas? Eu nunca olhei pra outras mulheres com segundas intenções!
- Seu MENTIROSO! A Pâmela me disse que você deu uma encoxada nela quando estava indo para o banheiro!
- Você vai me desculpar, mas a culpa é da sua amiga, eu fui passar para a fila do banheiro masculino, ela é que empinou o traseiro e esmerilou o meu bilau com as ancas.
- Ahhhh então agora a culpa é da minha amiga? Você não presta, bem que mamãe disse que essa coisa de namorar com empregado da construção civil não ia dar certo, ela me avisou que você só queria abusar de mim.
- Como assim? Eu não trabalho na construção civil!
- Não trabalha ainda, mas você vai trabalhar algum dia, porque você não sabe fazer merda nenhuma da vida, você vai é fazer serviço braçal, seu burro!
- Ahhh então agora é assim... Vai começar a me insultar abertamente? E você sabe fazer o que minha filha, você só sabe correr em cima daquela merda de esteira o dia inteiro... Até parece trombadinha correndo da polícia!
- Seu cafajeste!
- Sua fútil!
- Inútil!

A vida é curta, e é importante sintetizar os sentimentos, porque se você gasta muito tempo floreando palavras e sensações, você acaba perdendo a graça das reações.

Sentados na cama, já vestidos, resolvem conversar mais calmamente sobre o que está acontecendo. Agora eu me pergunto, será que estava de fato ocorrendo algo?

- Poxa, você ia mesmo ter a coragem de cortar o meu negócio fora?
- Se eu quisesse realmente cortá-lo fora, eu o teria feito, só queria te assustar.
- E você realmente conseguiu, mas não entendi porque você queria me passar este susto, agora eu não sei se consigo mais dormir ao seu lado, não dá mais.
- Não fala assim, foi só uma brincadeira de mal gosto, vamos continuar juntos, eu amo você.
- Eu também amo você, mas eu acho que eu amo mais o meu pau do que você e essa cena não vai sair da minha cabeça tão cedo, agora vou ficar imaginando se você realmente teria a coragem de fazer isto ou se realmente foi só uma brincadeira de muito mal gosto.
- Vamos tentar continuar juntos, se você continuar com essa insegurança “besta”, a gente termina.

Insegurança besta? - Pensei. Como uma pessoa com aquela caceta de tesoura nas mãos pode falar que eu estou inseguro?

E a vida correu naturalmente... Josi continuava correndo em sua esteira diariamente, enrijecendo contornos e formas, eu agora bebia mais do que o normal, não conseguia ficar sóbrio. Josi me ligou hoje na parte da manhã para perguntar o que iríamos fazer no dia dos namorados, disse a ela que iríamos ao motel e somente ao motel e nada mais. Ela pediu que eu fizesse exercícios físicos, pois não queria sentir a minha barriga protuberante encostando em seu ventre. Informei a ela que o único exercício que pretendia fazer naquele dia era sexo e nada mais. - Mais uma discussão.

- Eu fico me matando na esteira pra manter a minha minhas curvas arredondadas e você aí, com essa barriga flácida.
- Pois é, também estou cultivando minhas curvas arredondadas!
- Não, essa curva arredondada eu não quero pra mim. Eu quero curvas bem trabalhadas e esbeltas. Não quero que meu namorado seja um círculo asqueroso.
- Tudo bem, eu faço os exercícios.
- Ai meu bem, jura?
- Não!
- Então não faça os exercícios, seu porco.

Nos encontramos a noite para a troca de presentes. Ela me deu pesos para malhação. Eu dei a ela um livro de geometria, para que ela pudesse ficar enaltecendo as tão almejadas formas, e também para que ela descobrisse que não existem somente formas arredondadas neste mundo.

Acordei com dois palitos de dente cravados em minha bochecha esquerda.

Nunca mais vi Josi.

terça-feira, julho 01, 2008

Um monólogo entre ele e si mesmo

Ela não sabe qual é a cor das coisas... Não sabe qual é a angústia do seu dia, qual é a cor do teu céu... Qual é a boca que te alimenta... Não sabe qual é a roupa que melhor lhe cabe... Nem a felicidade que te espera... Não sabe a quantidade de sorrisos que ficaram guardados, nem a quantidade de coisas que se adormeceram, não sabe...

Ela aprendeu a esperar mais dela mesma, o que é muito bom... Pra ela... Aprendeu a contar sem dedos, aprendeu a adormecer sem travesseiro, a dormir no vazio e a guardar-se no frio. Aprendeu... Aprendeu...

Aprendeu que desejar boa noite é coisa de gente débil, que lisonjeios são coisa pra fracos e que pessoas são brotos de si mesmas e não de um aglomerado de nós dois.

Aprendeu que aprender leva mais tempo que o necessário, e que palavras são só palavras quando soltas ao vento. Senta, espera... Não... Tenho que ir ali, acolá, a qualquer lugar. Depois a gente se vê, se fala, se toca, se congela.

Aprendeu que não se deve esperar...

- Ei, sabe qual é a novidade?
- ...!
- Ei, você tá aí?
- ...
- Ei, você tá fazendo o quê? Tá ocupada?
- ...
- Quando chegar me avisa!
- ...
- ...
- ...
- ...
Off...
- Te mandei um SMS, mas pelo visto ele não foi entregue!
- Sim, parece que não... Mas um dia ele chega... Pode esperar que ele chega...

Palavras são só um amontoado de coisas, que nem sempre fazem sentido... Mas no momento, elas são tudo o que tenho agora...

Até mais ver.