quarta-feira, agosto 27, 2008

::: Des-contexto ou desconc(s)erto?

Entrededos uma guimba acessa. Uma fumaça tóxica se transmuta em um momento que se vai. Ao longe. E se desvaz com o vento.

Um poeta morto revira no caixão porque qualquer credibilidade que não deve ser aceita, se vai, se foi. Pra qualquer lugar, mas não há, em lugar algum, um lugar.

Um copo repousa por sobre uma mesa, e debaixo... Uma mancha. Uma cicatriz na madeira. Um presente.

Uma lambida pode adocicar o seu dia?

A vida não é feita de períodos, e vírgulas não amenizam situações.

Entre eu e você há um muro de concreto gigantesco. Um silêncio profundo que me excita a alma e me enrijece o pau. Uma impotência desmedida e desenfreada.

Do outro lado da linha, o tilintar de teclas animadas quebram o anonimato e o vácuo de uma ligação.

Com quantas moedas você daria o pôr-do-sol para alguém?

Uma verdade não dita. Um sonho, um beijo, um não sei angustiado. Uma impaciência paciente. Uma punheta frenética e uma triste lágrima caída de um pau angustiado.

Quantos paus cabem na sua boca? Quantas unanimidades você conhece? Quantos eus você tem?

Uma futilidade. Um amor que se transforma em dor.

Um cinza apelidado de cor.

Um tumor que cresce no meio da garganta. Uma língua partida e cuspida em pedaços e vontades de não ser nada além... Nada.

Primeira, segunda, terceira pessoas. Qual delas você é? Quais delas você quer ser? Diga-me que o som dos meus ouvidos não é uma distância entre um grito e outro sussurro! Absurdo.

Veias levam vazios para um coração que pulsa frases de efeito. Para uma platéia. Vazia.

Com quantas frases você escreve um texto? Com quantas letras você redige um poema? Em quantas estrofes você se declara? Palavras.

Longe de mim querer ser outrém. Longe de outrém querer ser eu.

Um copo com água.

Outro copo com água.

O mijo amarelo depositado no vaso sanitário. E a certeza de que o dia teve poucas pausas para mais água.

Um sorriso guardado em uma boca desdentada.

E uma fumaça... Que se desfaz... Com o tempo...

domingo, agosto 17, 2008

Horários e fusos 2

- Você sabe quantas horas são?
- Acho que é hora de dormir.
- Mas eu acabei de acordar.
- Não tenho culpa se você troca seu dia pela noite!
- Não troco o dia pela noite, só não tenho horários.
- Qual é o horário que você costuma ir pra cama?
- Depende, geralmente faço isso quando estou cansado, não tenho um horário.
- Como assim não tem horário? Todo mundo precisa dormir no mínimo 8 horas por dia.
- Mas você tem horário pra tudo? Ou só pra se levantar e se deitar?
- Hora pra tudo ué, é pra isso que existe agenda.
- Eu não tenho agenda.
- Como assim, não tem agenda, e os seus compromissos?
- Ahhh, eles acontecem, não são premeditados nem agendados.
- Você é um irresponsável!
- Não, sou somente uma pessoa sem horários, não sou irresponsável.
- Você sabe que dia é hoje?
- Não, só me lembro dos feriados, não me lembro dos inúteis dias úteis.
- Sim, sem dúvida você é um irresponsável!
- O que preciso fazer para que você acredite que minha vida está bem assim, que não preciso de horários para ser uma pessoa responsável.
- A gente vai marcar de assistir ao jogo da seleção, aí quero ver se você vai chegar exatamente no horário do jogo.
- E a que horas é o jogo?
- As 08:00.
- Mas no horário da China ou no horário local?
- No horário local oras, como posso marcar alguma coisa com você em um horário diferente do meu?
- Mas e se você tiver um compromisso com um cliente chinês? Você terá que respeitar o fuso dele, certo?
- Sim, neste caso sim, mas isso seria uma excessão.
- Mas e se além do cliente chinês, você tivesse um namorado australiano? Pra conversar com ele, vocês teriam que respeitar os diferentes fusos, correto?
- Sim, correto.
- E se além do namorado autraliano e do cliente chinês, seus pais resolvessem viajar para a Europa? Pra conversar com eles você teria que respeitar o horário da Europa, certo?
- Sim, teria!
- E se no meio dessa história toda, aparecesse um cliente de Manaus, e o fuso fosse diferente, mesmo que pouco, porém, fosse diferente, você estenderia o seu horário de atendimento?
- Sim, o cliente é quem manda, eu teria que estender.
- Pois é, e onde ficam as 8 horas de sono?
- Não sei, seria difícil dormir.
- E pra que se preocupar com os horários, nesse caso? Sendo que o horário pra dormir seria diferente, em cada uma das situações?
- Tá bom, mas não é o caso.
- Preciso da minha agenda.
- Sim, também preciso da sua agenda, você me empresta?
- Pra que?
- É que tá na hora de ir ao banheiro... E meu papel higiênico acabou.

domingo, agosto 10, 2008

Quem aspira passado, cheira poeira

Não sei porque, mas adoro quando encontro coisas perdidas por aí... Abaixo um textinho escrito em 03 de setembro de 2004, quando eu ainda era um rapazinho inocente...

:::: LILÁS

Tem um mundinho que fica escondido lá no centro da Terra. O mundinho se chama Lilás. em Lilás os meninos são quadrúpedes-bípedes de um olho só. Eles tem orelhas no pescoço e pescoço nos pés, tem antenas na bunda e cu no nariz. O sol é triângulo e o mar é amarelo. As meninas são centopéias com bocetas na boca e seios nas costelas.

A vida é normal em Lilás. O sonho de todo cidadão nascente em Lilás é ser vermelho. Porque vermelho, sabe-se lá por que, é a única dor que tem passagem garantida em qualquer caminho desisteressado. E caminhos desinteressados estão entre as coisas mais importantes de Lilás.

Rasgar o bucho do arco-íris desbotado é a diversão preferida da maioria dos jovens de . Centenas e milhares de centenas de arco-íris perdidos nesse mundão monocromático de Lilás.

Os carros são cadeiras com rodinhas. Os aviões são libélulas gigantescas. Os meios de comunicação em Lilás são meio traiçoieiros. Sabe como é, não se pode ter muita confiança em orelhões de gigantes com dentes de tubarão. Passar informação pra outras pessoas requer habilidade, e não é qualquer ser vivo de Lilás que aceita se arriscar para transmitir conteúdo para os demais habitantes do local. Talvez seja, por esse mesmo motivo, que não existe imprensa naquele lugar.

Quando você passa pelas ruas da superfície da Terra. Ninguém nunca ouviu falar de Lilás. É verdade que nunca foram pessoas muito acessíveis. E quando um ou outro se arrisca a visitar seus próximos companheiros distantes, eles inventam um monte de nomes para os habitantes de Lilás. Marciano, E.T., Chupa-Cabras, Varginiano, Jupteriano, Saturniniano (deveria ser Saturnino, mas Saturninos a gente ainda encontra um ou outro andando tranquilamente pelas ruas da superfície da Terra). E eles detestam os apelidos. Talvez por que não façam a mínima idéia do que esse monte de nomes estranhos significam.

Lilás é um paraíso escondido. Se os homens o descobrissem, provavelmente tentariam ganhar dinheiro, de alguma maneira, com as iguarias encontradas no local. O homem, esse mesmo, que tudo sabe e tudo vê, ficaria se vangloriando da sua mais nova descoberta: o centro da Terra é habitável.

Lilás foi assim. Foi assim... Um pretérito imperfeito do não é mais. Deixou de existir quando D. cresceu, fechou as caixas de lápis de cor e não mais desenhou 'parkinsonianamente' sobre o papel ofício branco-amarelado. D. cresceu e virou dentista. E ele nem se lembrava das pessoas que ele matou. Destruiu um país chamado Lilás. Que assim como Atlântida, também deixou de existir, mas não foi submersa por nenhuma onda gigante. Lilás deixou de existir por culpa de uma cegueira que se apoderou das vistas de D. aos cinco anos de idade.