quarta-feira, novembro 08, 2006


Diálogo desesperado de um ninguém sem coração

- Ei... Acorda. Você já está dormindo há algum tempo... Vamos levanta logo daí, faz a barba e vai lá pra fora tomar um pouco de sol, sua aparência está péssima, seus músculos parecem que estão se atrofiando. Será que você não vai mais acordar para o mundo?
- Argghghghghghgjhghjg (um grunhido de alguém sonolento-moribundo-dorminhoco).
- Você não está lendo mais, o que aconteceu com você cara? Nem sexo você pratica ultimamente. Você é um cara bacana, sai daí porra. Essa semana trombei com a Lailinha na rua, ela me perguntou sobre você, disse que esta com saudade.
- LailiArgghghghghghgjhghjg?
- É cara... A Lailinha, aquela morena gostosa e burra, que você tinha como musa inspiradora para as punhetas matinais.
- ArgghghghghghgjhghjgEu nãoArgghghghghghgjhghjg conheçArgghghghghghgjhghjg LaiArgghghghghghgjhghjg porArgghghghghghgjhghjg neArgghghghghghgjhghjgnhuma!!!!
- Tem um cara também que conheci há pouco tempo, ele dava valium para os peixes, ele é um cara bacana, porém sofre de sérios problemas depressivos, ele fixa cartazes oferecendo serviços de auto-ajuda para as pessoas emocionalmente desesperadas. Porém acho que o maior desesperado emocional é ele.
- Eaaarghu nauArgghghghghghgjhghjgm queArgghghghghghgjhghjgru sabver ds suaArgghghghghghgjhghjgs preferArgghghghghghgjhghjgênciaArgghghghghghgjhghjgs sexArgghghghghghgjhghjguais... Argghghghghghgjhghjg
- Que isso cara, estou só fazendo um comentário com você, não estou dizendo que trepei com alguém, deixa de ser excroto porra!!!
O primeiro porra foi dito com o tom de voz raivoso, levantou, foi até a cozinha, pegou uma caneca, abriu a geladeira, encheu-a com água gelada, voltou tranquilamente até o quarto, e despejou aquela água tranquila e lentamente em cima daquele que há muito repousava.
- Filha da puta... Como é que tu me faz uma putaria dessas? Estou aqui tranquilamente dormindo, tu invade a minha casa e me acorda com essa porra de água gelada. Seu corno sem coração, pensei que tu era meu camarada.
- Eu não sou russo e portanto me desconheço como camarada, sou teu amigo, e nada disso teria acontecido se você não tivesse feito piadinhas infâmes com relação a minha sexualidade?
- Como assim? Piadinhas com relação a sua sexualidade?
- É, você acabou de dizer que não queria saber das minhas preferências sexuais...
- Caralho, eu estava dormindo, não me lembro do que falei com você... Mas já que eu disse... Eu realmente não quero saber das suas preferências sexuais.
- Eu estava lhe contando a respeito de um cara que conheci e você já foi logo me taxando de viado e dizendo isso... assim, de uma forma tão... tão...
- Tão o que?
- Sonolenta e desatenciosa!
- Porra... Mas você é viado...
- Sim, mas foi a forma como você disse!
- Depois deste copo d'água que você me 'ofereceu' eu acho que você é a bicha mais sem coração que eu conheço.
E já com a voz embargada-chorosa, continua-se o diálogo.
- É mas você não precisava ter dito as coisas dessa maneira?
- Caralho eu estava dormindo, e pára de chorar... eu não suporto ver homens chorando. Mulher ainda vai, mulher é tudo fresca e sensível, mas homem não...
- Mas eu sou sensível cara... E você ainda diz que eu não tenho coração. Todo homem como eu tem coração... Muito mais do que qualquer outra pessoa... (já com lágrimas rolando pela face magra).
- Caralho... Vem cá, me dá um abraço. Pára de chorar... (Jamais pensei que eu fosse acalentar o choro de um amigo pederasta. Aposto que minha mãe ficaria decepcionada se visse um troço desses).
- É que você é o melhor amigo que eu tenho, sabia? Você está dormindo há tanto tempo que resolvi vir até aqui dar um jeito nisso.
- Cara, engole o choro e cala a boca antes que eu te dê um chute no cu para você sair correndo.

E no final do dia 'tatuaram' na parede azulejada de branco do banheiro.

'Quanto mais se dorme, mais sono se tem. Você jamais precisará de despertador se tiver amigos gays'.

Duas semanas depois um deles apareceu no noticiário matinal, um corpo encontrado no córrego da cidade, sem camisa, só com uma calça jeans desbotada e dois buracos em cada costela, não era tiro... A polícia não soube dizer qual foi o motivo do crime.

A verdade é que ninguém nunca soube o que aconteceu com o coração do jovem, engolido pela dor que o destroçou lentamente... Ao lado do corpo um bilhete que seria enviado para o filho que ainda não nasceu. Apesar da estranheza, ninguém sabia no que este alguém acreditava... A verdade é que para todos, ele nunca existiu.