domingo, janeiro 21, 2007

Quadra 747

Moro na quadra 747, onde os paralelepípedos enxugam as lágrimas oleosas do céu bolorento. A quadra onde os jovens passeiam de bicicletas côr de rosa com cestinhas de carregar mangas e goiabas que caem dos quintais vizinhos.

Moro na quadra 747, onde as pessoas plantam bolas azuis estreladas no centro dos jardins, onde o asfalto correu pra cima dos postes de iluminação pra esconder a luz do dia. Onde os telhados são pirulitos gigantes feitos de chocolate e sorrisos, todos com 32 dentes dentro da boca.

Na quadra 747 a chuva é feita de grãos café que se misturam com os flocos de leite em pó que caem como neve formando imensas poças densas e grossas de café com leite.

Moro na quadra 747, onde a infância ainda existe, onde pessoas morrem aos 365 anos de idade com o interior recheado de doces e guloseimas deliciosas para alimentar a fantasia daqueles que ainda estão pra nascer.

Na quadra 747, onde os jovens encontram esquinas para fechar a rua para a pelada de domingo, fazendo de nunves perdidas simples traves de gol. No fundo da quadra existe um rio vermelho feito de suco de groselha para que jovens e velhos exercitem os braços e praticarem natação.

Uma vez, quando era menino pequeno, surfei em uma estrela cadente que passeava alegre na noite de natal. Minha avó dizia que poderíamos fazer pedidos para as estrelas cadentes, que essas, sem dúvida, atenderiam nossos desejos. Me lembro que pedi várias coisas, mas me lembro de uma em especial, pedi que a quadra 747 fosse sempre daquele jeito, comestível e cheia de sonhos eternos, para que todos pudessem crescer ao som de cigarras de chocolate e besouros de bala de coco. Não sei até hoje se meu pedido foi atendido, fugi para crescer e nunca mais voltei à quadra 747, cresci e virei gente grande, arrumei um emprego, comprei uma casa e nunca mais tive contato com meus amigos que moravam na quadra 747, mas acredito que estejam até hoje surfando em estrelas cadentes nas noites de natal.

Existe um boato de que a quadra 747 foi o sonho de um menino grande que pintou com as próprias mãos um mundo fantástico e que, algumas pessoas, acreditando neste sonho, fizeram com que ele se tornasse realidade. E a quadra 747 nasceu assim, de uma verdade inventada, nasceu como um pontinho azul no centro da Terra, e foi crescendo, germinando, frutificando. Até que um dia, como que em uma imensa explosão, criou-se a quadra 747, formada de milhões de cacos de sonhos. Um paraíso no meio do nada, uma quadra numérica que nunca foi uma expressão matemática, mas que, com certeza, o resultado sempre dava um número oito deitado, que mais tarde me disseram ser o símbolo do infinito.

Fugi para uma quadra mais distante, nunca mais consegui encontrar o caminho de casa, nunca mais vi meus amigos ou parentes próximos. Fugi porque queria ser diferente, porque queria viver em um mundo grandioso. Achei que outra quadra me abraçaria com zelo, mas nenhuma quadra te abraça como a quadra 747, algumas delas até te chutam na altura do estômago para que você fique sem ar e chore como uma criança, dizem que gente grande não pode perder tempo chorando, pois o mundo jamais esperará que suas lágrimas sequem. Desde aquele dia, não sabia o que era dor, não sabia o que eram lágrimas. E depois de tudo isso chorei por não conseguir achar o caminho de volta. Tive que crescer, tive que aprender algumas coisas, mas em minha cabeça... Só restam as boas lembranças da minha querida quadra 747.

A quadra 747, ali, logo depois do arco-íris de bala de goma, na esquina dos sorvetes que nunca derretem, dos sonhos que sempre crescem e dos jovens que nunca fogem... Eles não precisam, crescem tranquilos, sabem que, por melhor que tenha sido o seu dia, nada se comprara com a volta para casa, nada se compara a voltar... Voltar para a quadra 747...