domingo, agosto 10, 2008

Quem aspira passado, cheira poeira

Não sei porque, mas adoro quando encontro coisas perdidas por aí... Abaixo um textinho escrito em 03 de setembro de 2004, quando eu ainda era um rapazinho inocente...

:::: LILÁS

Tem um mundinho que fica escondido lá no centro da Terra. O mundinho se chama Lilás. em Lilás os meninos são quadrúpedes-bípedes de um olho só. Eles tem orelhas no pescoço e pescoço nos pés, tem antenas na bunda e cu no nariz. O sol é triângulo e o mar é amarelo. As meninas são centopéias com bocetas na boca e seios nas costelas.

A vida é normal em Lilás. O sonho de todo cidadão nascente em Lilás é ser vermelho. Porque vermelho, sabe-se lá por que, é a única dor que tem passagem garantida em qualquer caminho desisteressado. E caminhos desinteressados estão entre as coisas mais importantes de Lilás.

Rasgar o bucho do arco-íris desbotado é a diversão preferida da maioria dos jovens de . Centenas e milhares de centenas de arco-íris perdidos nesse mundão monocromático de Lilás.

Os carros são cadeiras com rodinhas. Os aviões são libélulas gigantescas. Os meios de comunicação em Lilás são meio traiçoieiros. Sabe como é, não se pode ter muita confiança em orelhões de gigantes com dentes de tubarão. Passar informação pra outras pessoas requer habilidade, e não é qualquer ser vivo de Lilás que aceita se arriscar para transmitir conteúdo para os demais habitantes do local. Talvez seja, por esse mesmo motivo, que não existe imprensa naquele lugar.

Quando você passa pelas ruas da superfície da Terra. Ninguém nunca ouviu falar de Lilás. É verdade que nunca foram pessoas muito acessíveis. E quando um ou outro se arrisca a visitar seus próximos companheiros distantes, eles inventam um monte de nomes para os habitantes de Lilás. Marciano, E.T., Chupa-Cabras, Varginiano, Jupteriano, Saturniniano (deveria ser Saturnino, mas Saturninos a gente ainda encontra um ou outro andando tranquilamente pelas ruas da superfície da Terra). E eles detestam os apelidos. Talvez por que não façam a mínima idéia do que esse monte de nomes estranhos significam.

Lilás é um paraíso escondido. Se os homens o descobrissem, provavelmente tentariam ganhar dinheiro, de alguma maneira, com as iguarias encontradas no local. O homem, esse mesmo, que tudo sabe e tudo vê, ficaria se vangloriando da sua mais nova descoberta: o centro da Terra é habitável.

Lilás foi assim. Foi assim... Um pretérito imperfeito do não é mais. Deixou de existir quando D. cresceu, fechou as caixas de lápis de cor e não mais desenhou 'parkinsonianamente' sobre o papel ofício branco-amarelado. D. cresceu e virou dentista. E ele nem se lembrava das pessoas que ele matou. Destruiu um país chamado Lilás. Que assim como Atlântida, também deixou de existir, mas não foi submersa por nenhuma onda gigante. Lilás deixou de existir por culpa de uma cegueira que se apoderou das vistas de D. aos cinco anos de idade.