segunda-feira, julho 23, 2007

CURTAS

::: Pietro

Gosta de soprar cuspe no ar condicionado, adora ver o efeito contrário que o tal aparelho faz sobre o líquido-espuma que solta da garganta. Forma de brisa-bicha lhe sobrando os cabelos e ajeitando-os com ramificações arbóreas desarranjadas.

Leva aos domingos sua cadeira de rodas para passear no parque. Fuma praticamente um maço durante a caminhada. Não precisa se preocupar, a cadeira faz todo o trabalho.

Enquanto respira... Traga e bafora... Sente a fumaça entrando lenta e suavemente pela boca, se ajeitando pela traquéia e pousando pesadamente dentro dos seus pulmões.

Pinta balões de borracha no céu da boca. Bebe azul pra vomitar vermelho. E eis que nascem neons e letreiros luminosos.

Não é aposentado pelo governo, vive da herança que os poucos familiares lhe deixaram.

Morre todos os dias pra nascer de noite.

Amarelo hepatite e verde esperança.

Manda freiras tomarem no cu. Acha que pingüins não deveriam sair do pólo sul (ou norte - não sabe nada a respeito de distâncias e destinos). Um dia viu uma (freira) parada no sinal, estava em um Uno (carro popular que não era o modelo do ano) prateado chupando tic-tac. Custou a acelerar quando o sinal abriu (a freira). Tentou cuspir, mas não teve fôlego, e o vento também ajudou a desviar a trajetória do sem-sinodestino.

A família o visita às vezes, quando acham que ele está de bom humor, mas é esporádico, não ocorre com freqüência, talvez por isto tenham deixado Pietro de lado. Do lado avesso, carcomido por um verme solitário chamado angústia.

E nas linhas litter-a-atoas caminha cuspindo em ares-condicionados.

Semana passada encontrei com ele no banco. Mas ele não queria abrir sua conta, descobriu que o ar-condicionado do banco é muito mais potente do que aquele que ele tem em casa. Cuspiu, mas não alcançou o destino. A trajetória veio torta e lhe acertou o queixo.

Mas decidido, disse que volta amanhã quando o banco abrir novamente...